Caco Barcellos acena com a cabeça para responder que sim, ele já pensou em desistir de ser repórter.
“Eu fico indignado com a nossa pouca importância. A gente não representa nada. Representamos muito pouco em relação ao conjunto”, explica ele. “Você não vai acreditar, mas é a absoluta verdade: eu achava que por meio da minha pesquisa eles iriam parar de matar. Eu tinha essa ingenuidade.”
O jornalista se refere ao premiado livro “Rota 66 – A História da Polícia que Mata”, lançado por ele em 1991, que revelou um grande número de assassinatos cometidos por membros das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), grupo de elite da Polícia Militar de São Paulo.
A obra servirá de referência para um longa-metragem que começará a ser filmado neste ano. A trama, com um protagonista livremente inspirado em Caco, mostrará os passos de sua investigação sobre a atuação dos policiais. A produção é da Boutique Filmes.
Ele conta que se tornou jornalista por “muita sorte”. Estudava para ser engenheiro, em Porto Alegre, quando se interessou na produção de um jornal do centro acadêmico do curso. “E os únicos que toparam fazer o jornal foram um grupo de hippies da universidade. No primeiro mês, já estava morando com eles e fazendo, na verdade, um jornal para a comunidade hippie”, conta, rindo.
Mais tarde, um jornalista que viu a publicação o convidou para um estágio na redação de um diário da cidade, e Caco mudou de curso para seguir a carreira. Em 1982, entraria na Globo, onde hoje comanda o Profissão Repórter, programa de jornalismo investigativo com profissionais recém-formados. Ele agora vive em São Paulo.
Caco diz que concorda parcialmente com a afirmação, feita pelo jornalista Narciso Kalili na apresentação de “Rota 66”, de que ele seria um repórter “que tem lado” –o “dos mais fracos, o das vítimas”. “Acho que é dever do repórter estar sempre retratando o universo da maioria, e não o das minorias. Não é o que se vê, mas acho que é o nosso papel”, afirma.
“Se eu estivesse morando na Suíça, eu tinha que estar mostrando o universo dos Jardins todo dia. Mas a gente mora numa grande Etiópia de mais de 100 milhões de pessoas pobres e miseráveis. E acho que eles têm que ter uma voz mais ativa, um retrato mais forte que as minorias que não passam de 1% da sociedade brasileira.”
A relação de Caco com a polícia começou cedo. Em um capítulo do livro, ele narra sua própria fuga de uma viatura no bairro periférico em que morava, em Porto Alegre. “Nada fiz de errado, mas sei que devo fugir”, diz um trecho. “Antes de ser profissional, a informação batia na minha cara, no meu corpo, no dos meus amigos”, comenta.
“Desde que eu comecei a ler, fui um admirador dos escritores que tinham uma vida intensa fora da atividade intelectual. Que levavam para as páginas de seu romance de não ficção o que viveram na pele. Por exemplo, Jack London, [Ernest] Hemingway. Talvez por influência deles, depois que virei repórter, fiquei tratando de estar muito perto dos acontecimentos.”
A intenção inicial de Caco em “Rota 66” era demonstrar “o absurdo que é um país contrário à pena de morte praticá-la cotidianamente contra bandidos”. Ele diz que ficou “extremamente assustado” ao constatar, após sete anos de investigação, que a violência se dava “não contra os bandidos, mas contra os pobres”.
O jornalista conta que 63% das pessoas mortas que contabilizou nunca haviam cometido crime. “Estavam mortos, desqualificados moralmente pela imprensa. As famílias ofendidas pelo Estado, e a imprensa reproduz aquilo que o Estado diz”, afirma. “Infelizmente, na área de segurança pública, o Estado brasileiro é inimigo dos mais pobres.”
Ele critica os repórteres que reproduzem, sem apuração, as versões da polícia sobre supostos crimes. “Quem é o jornalista pra dizer que alguém é bandido? Que pretensão é essa? Que arrogância é essa? Não foi no local e chama: ‘Bandido!’. É relato do coronel. Você não é coronel! Se quer fazer esse relato, que tire o microfone e pegue numa arma.”
O Brasil, diz Caco, não tem pena de morte apenas “entre aspas”. “É um Estado que não dá o menor respeito ao suspeito de algum ilícito. Antes da investigação, mata. E sempre diz: legítima defesa. Legítima defesa. E o Judiciário mata junto, o Ministério Público mata junto quando nem sequer investiga a maioria desses crimes. Arquiva. Arquiva. Arquiva. Milhares de vezes por ano.”
“Claro que [a impunidade] contribui com a mentalidade corporativa, orientada pelos coronéis que dizem ‘Mata, que tem tudo a nosso favor’. Quando eu falo do Estado, não tô querendo só apontar a polícia como sendo a filósofa da execução. Acho que as elites da sociedade organizada matam junto, nesse sentido figurado.”
Caco faz questão de pontuar, em duas ocasiões da entrevista, que os autores de assassinatos na polícia são uma minoria e afirma que é “radicalmente defensor dos policiais corretos”. “É uma sacanagem ficar acusando a polícia. É um sistema que envolve todo mundo”, afirma.
“Tem muita gente bacana atuando. [Também] no Ministério Público, juízes. Mas tem juízes como aquela do Rio de Janeiro que fez aquela desqualificação moral da Marielle Franco [referindo-se à desembargadora Marilia Castro Neves, que disse que a vereadora estava “engajada com bandidos”]. Olha o nível de uma mulher como essa! Vai ver o trabalho dela, como é que ela faz a caneta dela. Explica muita coisa.”
Ele evita responder perguntas sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro e o assassinato da parlamentar, dizendo que está trabalhando nos temas para a Globo. Afirma, porém, que a morte de Marielle faz parte “desse cenário de cultura da violência”, e que o fenômeno da desmoralização de sua imagem após o ocorrido é “típico do matador”.
Diz também que não consegue opinar sobre a prisão e posterior soltura, na quarta (25), de 137 supostos membros da milícia carioca, porque não investigou os fatos. “Eu não quero me misturar com opinião”, dizia ele em outro momento. “Se eu tenho alguma importância, é no que eu faço [jornalismo noticioso].”
“Uma vez, uma TV me convidou pra ser apresentador de um programa. Falei: ‘Cara, como é que você me convida pra ser apresentador? Não posso dizer que eu seja um grande repórter, mas não estou entre os piores. Agora, como apresentador, com certeza eu tô entre os piores!’”, diz. “Eu adoro a rua, e tem gente sabida dando opinião demais, e menos na reportagem.”
Aos 68 anos, Caco continua fazendo matérias em condições adversas. Recentemente, viajava para o México para acompanhar, sob o sol, o périplo de imigrantes que tentam cruzar a fronteira americana –ele conta que as experiências são “uma alta diversão”. “Eu não quero perder aquela chance de estar lá”, diz.
“Eu fico indignado com a nossa pouca importância. A gente não representa nada. Representamos muito pouco em relação ao conjunto”, explica ele. “Você não vai acreditar, mas é a absoluta verdade: eu achava que por meio da minha pesquisa eles iriam parar de matar. Eu tinha essa ingenuidade.”
O jornalista se refere ao premiado livro “Rota 66 – A História da Polícia que Mata”, lançado por ele em 1991, que revelou um grande número de assassinatos cometidos por membros das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), grupo de elite da Polícia Militar de São Paulo.
A obra servirá de referência para um longa-metragem que começará a ser filmado neste ano. A trama, com um protagonista livremente inspirado em Caco, mostrará os passos de sua investigação sobre a atuação dos policiais. A produção é da Boutique Filmes.
Ele conta que se tornou jornalista por “muita sorte”. Estudava para ser engenheiro, em Porto Alegre, quando se interessou na produção de um jornal do centro acadêmico do curso. “E os únicos que toparam fazer o jornal foram um grupo de hippies da universidade. No primeiro mês, já estava morando com eles e fazendo, na verdade, um jornal para a comunidade hippie”, conta, rindo.
Mais tarde, um jornalista que viu a publicação o convidou para um estágio na redação de um diário da cidade, e Caco mudou de curso para seguir a carreira. Em 1982, entraria na Globo, onde hoje comanda o Profissão Repórter, programa de jornalismo investigativo com profissionais recém-formados. Ele agora vive em São Paulo.
Caco diz que concorda parcialmente com a afirmação, feita pelo jornalista Narciso Kalili na apresentação de “Rota 66”, de que ele seria um repórter “que tem lado” –o “dos mais fracos, o das vítimas”. “Acho que é dever do repórter estar sempre retratando o universo da maioria, e não o das minorias. Não é o que se vê, mas acho que é o nosso papel”, afirma.
“Se eu estivesse morando na Suíça, eu tinha que estar mostrando o universo dos Jardins todo dia. Mas a gente mora numa grande Etiópia de mais de 100 milhões de pessoas pobres e miseráveis. E acho que eles têm que ter uma voz mais ativa, um retrato mais forte que as minorias que não passam de 1% da sociedade brasileira.”
A relação de Caco com a polícia começou cedo. Em um capítulo do livro, ele narra sua própria fuga de uma viatura no bairro periférico em que morava, em Porto Alegre. “Nada fiz de errado, mas sei que devo fugir”, diz um trecho. “Antes de ser profissional, a informação batia na minha cara, no meu corpo, no dos meus amigos”, comenta.
“Desde que eu comecei a ler, fui um admirador dos escritores que tinham uma vida intensa fora da atividade intelectual. Que levavam para as páginas de seu romance de não ficção o que viveram na pele. Por exemplo, Jack London, [Ernest] Hemingway. Talvez por influência deles, depois que virei repórter, fiquei tratando de estar muito perto dos acontecimentos.”
A intenção inicial de Caco em “Rota 66” era demonstrar “o absurdo que é um país contrário à pena de morte praticá-la cotidianamente contra bandidos”. Ele diz que ficou “extremamente assustado” ao constatar, após sete anos de investigação, que a violência se dava “não contra os bandidos, mas contra os pobres”.
O jornalista conta que 63% das pessoas mortas que contabilizou nunca haviam cometido crime. “Estavam mortos, desqualificados moralmente pela imprensa. As famílias ofendidas pelo Estado, e a imprensa reproduz aquilo que o Estado diz”, afirma. “Infelizmente, na área de segurança pública, o Estado brasileiro é inimigo dos mais pobres.”
Ele critica os repórteres que reproduzem, sem apuração, as versões da polícia sobre supostos crimes. “Quem é o jornalista pra dizer que alguém é bandido? Que pretensão é essa? Que arrogância é essa? Não foi no local e chama: ‘Bandido!’. É relato do coronel. Você não é coronel! Se quer fazer esse relato, que tire o microfone e pegue numa arma.”
O Brasil, diz Caco, não tem pena de morte apenas “entre aspas”. “É um Estado que não dá o menor respeito ao suspeito de algum ilícito. Antes da investigação, mata. E sempre diz: legítima defesa. Legítima defesa. E o Judiciário mata junto, o Ministério Público mata junto quando nem sequer investiga a maioria desses crimes. Arquiva. Arquiva. Arquiva. Milhares de vezes por ano.”
“Claro que [a impunidade] contribui com a mentalidade corporativa, orientada pelos coronéis que dizem ‘Mata, que tem tudo a nosso favor’. Quando eu falo do Estado, não tô querendo só apontar a polícia como sendo a filósofa da execução. Acho que as elites da sociedade organizada matam junto, nesse sentido figurado.”
Caco faz questão de pontuar, em duas ocasiões da entrevista, que os autores de assassinatos na polícia são uma minoria e afirma que é “radicalmente defensor dos policiais corretos”. “É uma sacanagem ficar acusando a polícia. É um sistema que envolve todo mundo”, afirma.
“Tem muita gente bacana atuando. [Também] no Ministério Público, juízes. Mas tem juízes como aquela do Rio de Janeiro que fez aquela desqualificação moral da Marielle Franco [referindo-se à desembargadora Marilia Castro Neves, que disse que a vereadora estava “engajada com bandidos”]. Olha o nível de uma mulher como essa! Vai ver o trabalho dela, como é que ela faz a caneta dela. Explica muita coisa.”
Ele evita responder perguntas sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro e o assassinato da parlamentar, dizendo que está trabalhando nos temas para a Globo. Afirma, porém, que a morte de Marielle faz parte “desse cenário de cultura da violência”, e que o fenômeno da desmoralização de sua imagem após o ocorrido é “típico do matador”.
Diz também que não consegue opinar sobre a prisão e posterior soltura, na quarta (25), de 137 supostos membros da milícia carioca, porque não investigou os fatos. “Eu não quero me misturar com opinião”, dizia ele em outro momento. “Se eu tenho alguma importância, é no que eu faço [jornalismo noticioso].”
“Uma vez, uma TV me convidou pra ser apresentador de um programa. Falei: ‘Cara, como é que você me convida pra ser apresentador? Não posso dizer que eu seja um grande repórter, mas não estou entre os piores. Agora, como apresentador, com certeza eu tô entre os piores!’”, diz. “Eu adoro a rua, e tem gente sabida dando opinião demais, e menos na reportagem.”
Aos 68 anos, Caco continua fazendo matérias em condições adversas. Recentemente, viajava para o México para acompanhar, sob o sol, o périplo de imigrantes que tentam cruzar a fronteira americana –ele conta que as experiências são “uma alta diversão”. “Eu não quero perder aquela chance de estar lá”, diz.
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- April 29th, 2018
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