18 de jul. de 2016

O Macarthismo brasileiro e a espiral do silêncio

Por: Felipe Pena em 18/07/16

"Felipe, você tem que parar com esse Diário do Golpe no facebook" – aconselha um amigo, muito preocupado com minha carreira.


"Vão te boicotar em todas as mídias" – acrescenta, para, em seguida, citar roteiristas, escritores e professores que estão numa suposta lista de excluídos que ousaram chamar o processo de impeachment pelo seu verdadeiro nome: golpe.

Não estou preocupado com isso, respondo. Falo sobre a inexistência do crime de responsabilidade de Dilma, atestada pelo Ministério Público Federal e pela perícia do senado. Falo sobre as gravações de senadores dizendo que precisavam tirar a presidente para barrar a operação lava-jato. Falo sobre o inciso 39 do parágrafo 5º da Constituição para embasar juridicamente meu argumento. Mas não adianta. Meu amigo é sincero, só está preocupado comigo, não quer saber de política. Ele próprio apagou postagens em redes sociais para não ser excluído da empresa onde é roteirista. "Eu já desisti" – conclui, aliviado.
Com exceção da parte tecnológica, parece uma conversa travada na década de 1950. Sinto-me vigiado pelo senador MacCarthy em plena guerra fria. Pior ainda, percebo nas palavras de meu amigo a exemplificação da espiral do silêncio, conceito criado pela pesquisadora Noelle-Neuman para explicar como as interações sociais tendem a priorizar opiniões dominantes, ou melhor, opiniões que parecem dominantes, consolidando-as e ajudando a calar as diferenças.

Para Neuman, as pessoas tendem a esconder opiniões contrárias à ideologia majoritária, o que dificulta a mudança de hábitos e ajuda a manter o status quo. A opção pelo silêncio é causada pelo medo da solidão social, que se propaga em espiral e, algumas vezes, pode até esconder desejos de mudança presentes na maioria silenciosa. Só que esses desejos acabam sufocados pela espiral do silêncio.

Em outras palavras, as pessoas não são apenas influenciadas pelos o que os outros dizem como também pelo que imaginam que eles poderiam dizer. Se acharem que suas opiniões podem não ter receptividade, optam pelo silêncio.
Os golpistas contam com a espiral do silêncio. Meu amigo, que antes era combativo e atuante, foi tragado por ela e busca a integração social através da observação da opinião dos outros, procurando se expressar dentro dos parâmetros que o cercam para evitar o isolamento.
No caso dele, há um agravante: o isolamento também pode ser profissional, o que inviabilizaria o sustento de sua família. É aí que entra a técnica macarthista. Listas ou suposições de listas servem como chantagem para os que ousam nadar contra a corrente.
A ameaça de exclusão alimenta a espiral do silêncio. Ela é o vetor totalitário que perpassa a construção de um falso consenso e constrói a ponte para o passado. Ela é o terror das vozes dissonantes. Ela é o atraso.

O #DiárioDoGolpe é apenas um registro de quem se recusa a ser tragado pela espiral. Será publicado, diariamente, numa TL perto de você.

* Felipe Pena é jornalista, escritor e psicólogo. Professor de roteiro na UFF, foi comentarista do Estúdio I, na GloboNews, e é autor de 15 livros.

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