18 de jul. de 2016

País já vive Estado de Exceção

Entrevista com Laymert Garcia dos Santos, maio de 2016

Jornal da Unicamp – O que o senhor diria ao cidadão brasileiro que se vê perplexo diante da colisão de narrativas, de que a presidente Dilma está sendo vítima de um golpe, contra a de que o que existe é um processo constitucional?


Laymert Garcia dos Santos – A gente tem duas narrativas que são contraditórias, e que podem ser resumidas assim: “impeachment é golpe”, e “impeachment não é golpe”. Há ainda um outro termo, que estaria entre os dois, que seria, “impeachment não é golpe, porque está previsto na Constituição, mas este impeachment é golpe”: porque não existe nenhuma acusação contra a presidente, exceto a chamada pedalada fiscal, que foi executada por muitos outros governantes antes dela, e ao mesmo tempo continua a ser praticada por governadores, prefeitos, e isso nunca foi considerado crime.
Então, nesse sentido, acho que a palavra golpe cabe, e a pessoa que oscila entre um discurso e outro deveria prestar atenção nesses deslizamentos semânticos e, ao mesmo tempo, atentar para o que as palavras significam. Parece que é uma questão acadêmica, mas na verdade são duas posições antagônicas numa espécie de guerra.

JU – Guerra não é uma palavra forte demais para o contexto atual?
Laymert Garcia dos Santos – Eu não descartaria a palavra guerra, porque na medida em que a posição do “impeachment não é golpe” é uma posição que, se não há crime, não se sustenta juridicamente, então isso significa que essa posição só pode ser defendida porque não foi aceita a eleição de 2014. O resultado da eleição de 2014. E aí nesse sentido é uma guerra, sim, porque essa crise que estamos vivendo agora foi aberta em 2014, com o não reconhecimento de que a eleição foi legítima.

JU – Mas se o que ocorre hoje é fruto de insatisfação com 2014, por que o estouro só agora?
Laymert Garcia dos Santos – Acho que agora é só o desdobramento de 2014, esse desdobramento foi progressivo, foi incessante. Venho acompanhando essa questão desde 2013, na verdade. Porque, no meu entendimento, as coisas começaram com as manifestações de 2013. Foi lá que a gente viu, pela primeira vez, manifestantes na rua com uma pauta progressista, só que expressa numa linguagem conservadora.
Era uma pauta por ampliação de direitos, portanto uma pauta democrática. Mas o modo como se exprimia era conservador, e foi a primeira vez que a gente viu surgir uma reivindicação conservadora na rua. Isso em 2013. Já em 2014, acho que o impeachment da Dilma começou na abertura da Copa do Mundo, quando convidados do camarote do banco patrocinador começaram a gritar para o mundo – porque a abertura da Copa era transmitida para o mundo inteiro – xingamentos de baixo calão contra a presidente.
Foi a primeira vez que vi um presidente da República ser ultrajado dessa forma, e partindo de onde? Partindo do camarote de patrocinadores da Copa do Mundo. A partir daí começou o escracho da Dilma. E isso foi extremamente sério, porque sinalizou que essa posição, no meu ponto de vista, partia de um grande descontentamento da superelite. Era a superelite decretando guerra.

JU – Mas a superelite vinha convivendo muito bem com quase uma década de governo do PT. Por que romper naquele momento?
Laymert Garcia dos Santos – Porque a elite financeira ficou descontente com a queda dos juros no primeiro mandato. Dilma baixou a taxa de juros, o que descontentou extremamente o mercado financeiro, além de ter tomado outras medidas. Isso no aspecto interno. Mas eu acho que o que está acontecendo não tem razões só internas, tem razões externas.

JU – Que seriam...?
Laymert Garcia dos Santos – As razões externas são as razões de interesse na desestabilização de um certo projeto de desenvolvimento, de um projeto de país. Essa desestabilização aparece, no meu entender, num golpe, que não é mais nos moldes dos anos 60, 70, porque até nem faria sentido – os militares hoje são legalistas. Mas é uma desestabilização cujo modelo vem sendo aplicado já em outros lugares, em outras regiões do mundo e na América Latina.
Eu não acredito, por exemplo, que a corrupção seja o verdadeiro problema. Não pode ser. Ela é só a máscara, o pretexto, porque se você tem um combate seletivo à corrupção, você não tem combate à corrupção. Na verdade você só vai combater um determinado tipo de corrupção, e a seleção significa que o que vale aqui, não vale lá. E o combate seletivo à corrupção é o que estamos vendo. Levou um tempo para isso ficar explicitado, para ficar claro que a Lava Jato era seletiva, mas agora já está mais do que evidente.

U – Mas argumenta-se que a Lava Jato começou investigando, especificamente, crimes cometidos contra a Petrobras durante governos do PT, então o fato de atingir mais petistas é um acidente histórico, uma consequência lógica, não seletividade deliberada.
Laymert Garcia dos Santos – Primeiro: o problema da corrupção na Petrobras não começou nos governos do PT, começou antes. E isso apareceu na Lava Jato, mas não foi considerado, foi o chamado “não vem ao caso”. E “não vem ao caso” significa tudo aquilo que houve antes de 2003 – e aí aparece a seletividade: não se investiga, apesar de haver indicações disso nas próprias delações premiadas. Mas só um determinado tipo de delito, só um determinado tipo de gente vai ser investigada e os outros, você descarta, não dá sequência ao processo, isso por um lado.
Por outro, há vários juristas que questionam a legalidade de atos da Lava Jato. E se há ilegalidades que vão sendo realizadas por aqueles que deveriam zelar pelo cumprimento da própria lei, você já tem outro problema: são ilegalidades não só no modo de captar, através de grampos, mas também de divulgar as informações. A divulgação é cronometricamente estudada para obter efeitos na relação entre Judiciário e mídia. Como bombas informacionais.

JU – Mas as instâncias superiores do Judiciário vêm referendando a maior parte das ações da Lava Jato.
Laymert Garcia dos Santos – Você tem um campo discursivo, político, que está evoluindo. A gente tem que analisar a evolução dos enunciados que aparecem nesse campo, da extrema direita até a extrema esquerda. Tem que olhar os enunciados políticos que são dados nesse campo, e como eles evoluem. E aí você começa a ver qual é a dinâmica desse campo, quem retoma o quê, a fala de quem, quais são os enunciados que vão deslizando, até que a gente chega, enfim, a certos enunciados fortes. É o que tenho feito nos últimos anos, desde 2013. Porque quero tentar entender o que acontece, para além do que a mídia diz, porque não acredito nela. Entender a evolução e como se dá a construção dos discursos.
Se você olhar o campo dos enunciados, você vai ver que o foco da questão do golpe vai se deslocando, e hoje a ênfase, a última descoberta de onde se encontram novos protagonistas do golpe, é no STF. Chegou ao STF. Como protagonistas do golpe.
Não fui eu que inventei esse procedimento analítico. Esse tipo de análise foi feito nos anos 20-30, com relação ao modo como foi desestabilizada a República de Weimar, na Alemanha, com a ascensão do nazismo. E foi durante a República de Weimar que a gente viu a implosão das instituições e uma desestabilização que deu, como resultado, o triunfo do enunciado “Viva a morte!” e a “Solução Final” do problema judeu. Uma das características importantes dessa implosão das instituições, nos anos 20-30, na Alemanha, é o modo como os juízes violavam a lei e a Constituição, e é ao que estamos assistindo aqui.

JU – A maior parte do STF é de ministros nomeados nos governos petistas...
Laymert Garcia dos Santos – Isso significa que são petistas? Não, não necessariamente. Aliás, o contrário, até. Acho que o que houve, no meu entender, a partir dos atos e das falas que os ministros fazem nos autos e fora dos autos – porque eles também têm uma posição pública, têm se manifestado mais fora dos autos que nos autos, ultimamente – e as posições que têm tomado, com exceções, são bastante complicadas. E não sou eu que digo, são juristas.

JU – Quem insiste que as pedaladas da Dilma foram crime menciona o montante envolvido, muito maior que em outros governos, e o fato de terem ocorrido em período eleitoral como agravante.
Laymert Garcia dos Santos – Eu diria que, se pedalada é crime, então pedalada é crime. Se é crime, então por que não foi punida antes, ou em outras vezes. Se não é crime, por que se tornou crime agora? E depois, quais pedaladas se tornaram crime? Porque o que a gente está assistindo agora, com a tentativa de dissociar do caso as pedaladas assinadas pelo Temer, é que há pedalada que vale e pedalada que não vale – de novo, a seletividade. As pedaladas de Dilma são criminosas e as do Temer não são criminosas. Então, que negócio é esse? Tudo que você aborda hoje, é assim. Esse é o problema para mim: não há critério. Você percebe que as instituições estão desmontando quando não existe mais regra. A regra vale para mim de um jeito e para você, de outro jeito.
E a votação do impeachment na Câmara? Foi uma coisa fantástica, absolutamente grotesca. Porque você sabe quem são aquelas figuras que falavam de moralidade, contra a corrupção. Acontecia assim também na República de Weimar: as palavras queriam dizer o contrário do que diziam. Você ia ao nível do discurso, as pessoas estavam dizendo alguma coisa, mas significavam o contrário.

JU – A crise da República de Weimar culminou com o fim da República, a instauração do Reich e a ascensão de Hitler ao papel de líder supremo, o führer. O paralelo não é um pouco extremo?
Laymert Garcia dos Santos – Acho que existe um risco parecido no Brasil, porque a questão que importa, para mim, é se você está num Estado Democrático de Direito, ou não. No meu entender, não estamos mais num Estado Democrático de Direito. Nós estamos num Estado de Exceção. E essa questão é interessante para remontar a Weimar, porque ela foi muito estudada: como se implantou o Estado de Exceção na Alemanha.
E o problema, aqui, nesse aspecto dos enunciados, é que muita gente diz que haverá um Estado de Exceção no Brasil. No meu entendimento, não é que haverá, ele já aconteceu. Se se suspendem as garantias constitucionais a ponto de, por exemplo, ser autorizado por uma instância inferior da Justiça o grampo e a divulgação do grampo da presidente da República, isso significa que a Constituição não está valendo para ela. Se não está valendo para a presidente da República, para quem vai valer?
Para mim esse é o problema: já estamos em um Estado de Exceção; pois, se as garantias constitucionais não funcionam para a presidente, para ministros e para advogados, para quem mais vão funcionar? Ouço as pessoas dizerem: ah, mas para o povão da periferia nunca funcionou, nunca houve Estado de Direito. Mas isso não justifica nada. O que se deveria fazer era estender o Estado de direito até eles, e não o contrário.

JU – A grande imprensa corporativa é acusada de direcionar o noticiário contra o atual governo. Mas há pluralidade, ou uma busca de pluralidade, nas páginas de opinião, entre articulistas...
Laymert Garcia dos Santos – Eu vejo mais do que direcionamento, vejo um acerto entre as grandes mídias, porque há uma voz comum. As grandes empresas de mídia, com algumas nuances e variantes, têm um posicionamento editorial que é comum. E esse posicionamento comum é fruto de um entendimento comum da leitura da situação, e de qual discurso vão tentar fazer prevalecer.
Graças a Deus a gente tem internet para poder, pelo menos, no nível alternativo, por exemplo, nos chamados blogs sujos, construir uma nova versão. Senão, estava tudo completamente dominado, haveria só uma versão dos acontecimentos e você não teria a possibilidade de desconstrução desse discurso. A mídia alternativa está fazendo a desconstrução do discurso unívoco da grande mídia.

JU – A sua área de ênfase de pesquisa é sociologia da tecnologia. Como o sr. vê o papel das novas mídias digitais?
Laymert Garcia dos Santos – Um papel enorme, absolutamente enorme. Antes de mais nada, voltando ao ponto que já tinha levantado, se há a possibilidade de um outro discurso, que não o único das elites, é porque existe internet. E é porque existe gente preparada, que sabe trabalhar informação e que está inventando novas maneiras de processar essa informação com rapidez, poucos recursos, mas com rapidez, na internet.
Boa parte, inclusive, do problema da grande mídia, decorre da internet. As grandes empresas precisam de benesses, de dinheiro público, porque souberam muito mal se adaptar às mudanças tecnológicas que aconteceram. Não só a mídia impressa, mas também a mídia televisiva.

JU – Algo que se critica muito nas novas mídias são as chamadas “bolhas de informação”, que dificultam o acesso ao contraditório e radicalizam as posições.
Laymert Garcia dos Santos – Muitas vezes, antes mesmo antes da internet, as pessoas iam procurar aquilo que confirma suas crenças, ou que reconheciam como pertencentes ao seu mundo. Isso, eu acho que faz parte. É mais do que natural. O que acho que aumentou foi a diversidade de oferta de possibilidades de discursos, para as pessoas não terem de se identificar com um discurso. Isso ampliou bastante.
E ampliou, também, de certa maneira, uma espécie de independência com relação à própria produção da informação, porque ficou mais fácil: hoje todo mundo pode, de alguma maneira, produzir informação. É claro que você não pode produzir informação na mesma escala que a grande mídia produz. Mas muitas vezes, do ponto de vista qualitativo, você pode produzir, com poucos recursos, uma informação que pode bater de frente com aquela que é feita pelas grandes corporações, e pode apresentar uma outra versão dos acontecimentos, uma outra análise dos acontecimentos. Isso é possível! Antigamente não era possível, porque era preciso ter muito capital para isso. É uma mudança gigantesca.

JU – Mas hoje uma pessoa também pode ter acesso a milhares de textos que só reafirmam seus preconceitos, sem jamais cruzar com um contraditório.
Laymert Garcia dos Santos – Mas ela também pode confrontar discursos diferentes, tem essa possibilidade de confrontação porque está tudo disponível para ela, em termos de informação. Ela precisa saber ter um filtro, e quanto mais sofisticado o seu filtro, mais sofisticada essa informação será.
Por exemplo: para uma pessoa, um intelectual, um professor universitário, acabou a ditadura de ter que se informar só com a mídia brasileira. Eu, por exemplo, já há anos não leio jornais brasileiros, como pratica cotidiana. Leio ou as informações na internet, por meio de um leque de sites e blogs, ou leio diretamente a imprensa internacional. Por que eu leio o Financial Times? Porque considero que esse é um jornal global, e é um jornal global que precisa dizer o que está acontecendo para os investidores globais. Ele não pode ficar mentindo. Porque vai ser cobrado pelos seus leitores, que são globais.
Então, mesmo que ele tenha uma posição conservadora, neoliberal, e ele é conservador e é neoliberal, tem que dar a informação para o seu leitor, porque vai ser cobrado num plano que, aqui no Brasil, ninguém está cobrando. Então, prefiro ler um jornal como o Financial Times, inclusive para saber melhor o que acontece no Brasil.

JU – O sr. mencionou como algumas palavras vão mudando de sentido. Hoje em dia, uma palavra muito usada é “fascismo”, “fascista”. Ela já não se desgastou?
Laymert Garcia dos Santos – É preciso tomar muito cuidado com essa palavra. Como xingamento, você a ouve das maneiras mais variadas, aplicada às pessoas mais variadas e aos pontos de vista mais variados. Então, digamos, no geral, a palavra ficou banalizada. Mas, existe alguma procedência de um certo emprego da palavra “fascismo” para designar o que está acontecendo nesta situação do Brasil contemporâneo? Eu acho que sim.
E por que acho que sim? Porque a gente nota uma questão que aparecia no fascismo de modo muito forte - era que a posição do fascista não é suscetível de argumentação. Não há argumentação possível com o fascista. E por quê? Porque mesmo que ele não tenha argumento, se você der dez argumentos para ele, ele não vai ouvir, porque a posição dele é irracional, ele é movido pelo ódio, e por um ódio que é visceral. Que evidentemente foi plantado na cabeça dele, ao longo de um tempo muito grande, que ele incorporou como sendo dele. Não há possibilidade de diálogo.
E o que estamos vendo no Brasil, que era uma coisa que não existia aqui, é justamente o surgimento desse tipo de comportamento visceral, irracional, absolutamente imune a qualquer consideração de ordem argumentativa, e que parte direto para a violência.
Eu chamo isso de bicho-preto. Pula o bicho-preto da pessoa, aquilo que foi suscitado e que existe de mais negro na alma humana, e é isso que está sendo mobilizado. É essa mobilização que gera um movimento fascista. A mobilização política desse pathos, dessa quase patologia, isso é fascismo.

JU – Supondo que se instaure um governo de Michel Temer. Que perspectivas o sr. vê?
Laymert Garcia dos Santos – Acho que a situação brasileira vai ser caótica. Vai ser caótica mas, do ponto de vista do interesse externo, que está de olho no pré-sal, na questão da energia nuclear, enfim, naquilo que interessa, os chamados ativos que interessam no Brasil, se vier o caos, eles plantaram isso, o caos não está fora do programa. Aliás, não vai ser o primeiro país a entrar em situação de caos programado.

JU – O sr. não espera que Michel Temer consiga conduzir um governo na normalidade.
Laymert Garcia dos Santos – É uma história da carochinha, isso: o Temer entra, e aí o problema some porque o problema era a Dilma. Tira-se a Dilma e aí todo mundo vai aceitar, o Temer entra e está tudo bem... é imaginar que existe um problema de pessoa, e não de processo. Não dá para acreditar que, uma vez tirada a presidente, todo mundo vai aceitar essa versão. Por sinal, essa narrativa já não está sendo aceita, pois a cada dia que passa há mais gente contra o golpe - todos os dias há manifestações. Mas você diz: as manifestações não aparecem. Com efeito, a mídia oculta. Mas elas existiram. As pessoas que foram às manifestações estão aí, estão se politizando nas manifestações.
Se você olhar a idade das pessoas que estão nessas manifestações, verá que houve uma politização violenta de adolescentes e de jovens que, de repente, descobriram que a democracia está ameaçada e que não querem viver num mundo onde não vão ter liberdade, porque o Bolsonaro e o Feliciano [deputados federais Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Marcos Feliciano (PSC-SP)] vão dizer para elas o que podem fazer ou não.
Então, não é assim: tira a Dilma, o Temer entra, compõe o governo e tudo passa a funcionar. Isso é uma visão absolutamente simplista do Brasil, é considerar que o Brasil hoje é o que ele era no século 19.
Aliás, um dos pontos principais de todo esse processo é o desejo de regressão à condição colonial. Não se trata de voltar ao tempo de antes do Lula, é desejo de voltar para a Colônia. Porque a toda hora reaparece a questão dos negros, dos pobres, dos excluídos, a questão das empregadas domésticas: tudo que é questão de casa grande e senzala voltou, da violência colonial. No plano interno, trata-se de uma restauração da dominação colonial, cuja contrapartida no plano externo é a submissão total ao Império, à Metrópole.

JU – Um dado novo é a ascensão da direita evangélica, que vem se integrando muito bem às elites tradicionais.
Laymert Garcia dos Santos – Elas são a massa de manobra das elites tradicionais. Eu considero assim. As elites sabem que precisam mobilizar um setor da sociedade. Porque as elites não vão para a rua, é claro. Mesmo aqui do lado, quando batem panela em Higienópolis, vá ver como batem panela: não há uma única pessoa que apareça na janela. As panelas são batidas com a luz apagada e as pessoas fora da janela. Isso mostra, para mim, que elas têm uma posição, são radicalmente contra o governo, batem panela, mas não de peito aberto.

JU – O sr. vê uma possibilidade de conciliação?
Laymert Garcia dos Santos – Não vejo, porque acho que, no fundo, quem fazia a conciliação era o Lula. As elites brasileiras ganharam mais dinheiro que nunca com o Lula. Só que não foram só elas, houve uma parcela da população que não ganhava nada, que ganhou um pouquinho e deu uma melhorada. Se eu fosse da superelite, eu construía uma estátua para o Lula, em nome da paz social – os ricos ganhavam, os outros ganhavam e ficavam contentes, e você tinha um país minimamente civilizado. Mas não, a ganância é tanta que o 1% quer guerra total contra o resto. O 1% quer tudo!

JU – Se o impeachment for consumado, o sr. vê chances para a esquerda no pleito de 2018?
Laymert Garcia dos Santos – Sim. Por uma razão: mesmo com todo esse tiroteio diário em cima do Lula, ele ainda é o político que tem mais credibilidade no Brasil. Com toda essa invenção de pedalinho e outras coisas, seus algozes escarafunchando a vida dele e da família dele inteira, virando tudo pelo avesso... e o que acharam? É grotesco! Uma pessoa que teve a projeção mundial que teve o Lula, se quisesse roubar, não ia ser para comprar uma chacrinha em Atibaia, um apartamento no Guarujá.

Quem é
Laymert Garcia dos Santos tem bacharelado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado em Sociologia das Sociedades Industriais pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) da França e doutorado em Ciências da Informação pela Universite de Paris VII - Universite Denis Diderot. É professor titular do departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Foi membro do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura e diretor da Fundação Bienal de São Paulo. É autor, entre outros livros, da obra “Politizar as novas tecnologias - O impacto sócio-técnico da informação digital e genética”. (Editora 34, 2003). Sua atuação tem ênfase na Sociologia da Tecnologia e na Arte Contemporânea, principalmente em temas como tecnologia, biotecnologia, arte contemporânea, política e Brasil.

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